A
piori,cumpre buscarmos conceituar responsabilidade civil
e, não obstante, relacioná-la a relação de consumo, com escopo de buscar
elucidar seu nascedouro dentro do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/90).
Sabe-se que causado dano a alguém o agente da
conduta danosa tem o dever de indenizar a vítima pelos dissabores
experimentados na mesma proporção, ou em valor relativo ao dano, sanando, mesmo
que paliativamente, as consequências daquela conduta ilícita. Dentro dessa
primeira consideração, podemos adentrar no campo conceitual da responsabilidade
civil.
Segundo Savatier apud
Silvio Rodrigues (2008, p. 6), a responsabilidade civil é “como a obrigação que
pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato
próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.
Assim, o fornecedor que, no exercício das suas
funções de mercado, causa dano à massa consumerista ou aquele com quem celebrou
contrato individual, tem o dever de indenizar, porquanto nasce para este
primeiro a obrigação civil resultante da consubstanciação da responsabilidade
civil.
1. Responsabilidade
Civil e Responsabilidade Penal
Ao dissertarmos sobre a distinção entre a
responsabilidade civil e penal, precisamos ter em mente, antes de tudo, que o
Código de Defesa do Consumidor carrega desde sua edição grande amplitude
concernente ao campo de abrangência teórica e técnica. A defesa do consumidor
não se limita apenas a reparação civil por qualquer dano causado pelo
fornecedor. Na verdade, não obstante, o próprio CDC faz menção a tipos penais,
isto é, tipifica condutas consideradas ilícitas e a estas, concomitantemente,
prevê penas corporais.
O legislador ordinário, quando da elaboração do CDC,
foi exímio ao sopesar a relação de consumo na esfera cível e penal. Vemos,
desta feita, o caráter multifuncional jurídico do CDC. Por esta razão, é
imperiosos discriminar distinções básicas acerca da responsabilidade civil e
penal.
Quando falamos em responsabilidade penal nos
debruçamos sobre o caráter público das normas de conduta traçadas no Código
Penal. Aquele que prática o ilícito penal perturba a ordem social; deste modo,
o ordenamento jurídico reagi impondo ao delinquente uma pena correspondente.
Ao contrário ocorre na responsabilidade civil, haja
vista a tutela de direitos e interesses privados. O agente que causa dano a
outrem fica sujeito a indenizá-lo na medida das consequências da sua conduta.
Aqui não há normas de ordem pública, mas, tão somente, a relação de interesses
privados que consubstancia-se pela reparação pontual e individual de um
determinado dano (moral ou/e material).
Apesar da distinção perfunctória acima esposada, o
Código de Defesa do Consumidor, de cunho multidisciplinar, atribuiu à relação
de consumo natureza de ordem pública e interesse social, ou seja, a
responsabilidade civil e penal é tratada no CDC como matéria de ordem pública.
Deste modo, as normas previstas na Lei nº 8.078/90, trazem consigo a tutela de
interesses individuais, coletivos e difusos a margem da ordem pública e do
interesse social, sejam elas de cunho civilista ou penalista.
Com mesmo raciocínio leciona o Professor Leonardo de
Medeiros Garcia (2006, p. 3), in verbis:
Ao estabelecer “normas
de proteção e defesa do consumidor”, o presente Código pretende intervir
nas relações de consumo para a proteção de um sujeito especial, vulnerável,
desigual em sua relação com o fornecedor, de modo a manter o equilíbrio e a
igualdade nas contratações.
Trata-se de um verdadeiro microssistema jurídico, em que o objetivo não é tutelar os iguais,
cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas justamente tutelar os
desiguais, tratando-os de maneira desigual em relação aos fornecedores com fito
de alcançar a igualdade.
O próprio CDC deixa clara a natureza pública dos
interesses tutelados quando preconiza no art. 1º, in verbis:
Art. 1º O presente código estabelece normas de
proteção e defesa do consumidor, de
ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII,
170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
(grifo nosso)
Deste modo, algumas diferenças entre a
responsabilidade civil oriunda da relação entre particulares prevista no Código
Civil, e aquela prevista no Código de Defesa do Consumidor, são perceptíveis;
porquanto ao caracterizar-se a relação de consumo os direitos inerentes a essa
relação são indelegáveis e irrenunciáveis, bem como podem ser reconhecidos ex officio pelo Magistrado; enquanto na
relação tutelada pelo Código Civil, tal como a extracontratutal, o Juiz só
poderá pronunciar-se mediante provocação de alguma das partes.
Responsabilidade
Civil Contratual
Antes de iniciarmos nossos estudos sobre a responsabilidade
contratual no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro
de 1990), faz-se necessário terce considerações sobre o conceito de contrato
para o direito.
Como a natureza jurídica de todo contrato passa
pelos pressupostos de validade do negocio jurídico (art. 104 do Código Civil de
2002), existe uma semelhança entre o conceito do gênero (negocio jurídico) e
espécie (contrato). Portanto, é o
negocio jurídico por meio do qual os contraentes auto-disciplinam os efeitos
jurídicos e patrimoniais do contrato, gerando, assim, um vinculo obrigacional
de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
Porém o negocio jurídico passa por um processo, ou
melhor, por pressupostos de existência e validade, sem os quais não há do que
se falar em contrato.
Os pressupostos de existência ou os elementos
constitutivos de todo negócio jurídico são: declaração ou manifestação de
vontade, agente emissor de vontade, objeto e forma. Em seguida passa, o negocio
jurídico, pelos pressupostos de validade: manifestação da vontade livre ou
consciente e de boa fé, agente emissor capaz e legitimado para o negocio
jurídico, objeto licito e determinado e forma adequada (livre ou prescrita
legalmente).
Conveniente se faz, com relevância no procedimento
de existência, validade e eficácia do negocio jurídico, uma conceituação de
contrato; portanto, contrato como espécie de negocio jurídico, é a declaração
ou manifestação de vontade livre e de boa fé, por meio do qual os agentes
emissores capazes e legitimados, determinam prestações obrigacionais (objeto
licito) a serem cumpridas entre os contraentes.
1.2 Constitucionalização
do conceito de contrato
Iniciou no século XX, na Europa, e
na década de 30, no Brasil, um processo de descentralização do Direito Civil,
fazendo deslocar o eixo centralizador das normas civilistas para leis especiais
e estatutos autônomos. Como conseqüência da constitucionalização do ordenamento
jurídico brasileiro, reforçando todos os ramos do direito com princípios
constitucionais proveniente dos direitos fundamentais do homem social.
Portanto,
A descodificação do Direito Civil foi o deslocamento
do centro gravitacional do direito privado, o Código Civil, antes um corpo
monolítico e monossistemantico, para estatutos autônomos. Perdendo o Código
Civil influencia normativa (polissistema) caracterizado por um conjunto de
normas tidas como centros gravitacionais autônomos, chamado de microssistema.
(GUSTAVO TEPEDINO, p.5)
Como uma das conseqüências desse
movimento foi à destituição de alguns princípios, e outros de cunho
constitucional os substituíram. Trazendo mais humanização as relações
jurídicas.
À vontade, perde sua conotação
absoluta e é limitada por normas de ordem publica.
A igualdade formal da lugar aos
princípios de igualdade material e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc.
III, da Constituição Federal), mudando a forma de interpretação dos contratos.
Com o objetivo de evitar a exploração do declarante hipossuficiente, já que a
doutrina sensibilizou-se para a notável situação de desigualdade entre os
agentes emissores de vontade.
Consagrou como clausula implícita
nos contratos a boa fé objetiva. Limitando o principio da autonomia da vontade.
O nosso atual Código de Defesa do
Consumidor sofre forte influencia dos princípios provenientes da
constitucionalização do ordenamento jurídico, e por assim dizer da
decodificação do Direito Civil, já que é nesse que se encontram as definições
de negócio jurídico. Ou seja, princípios como função social do contrato, boa-fé
objetiva e equivalência material, resultantes da redistribuição dos princípios
constitucionais, ganham forca normativa no contrato consumerista. Além dos princípios clássicos; força
obrigatória, autonomia da vontade, consensualismo, relatividade subjetiva dos
efeitos dos contratos e a boa-fé subjetiva (não adotada pelo CDC).
Assim, conceitua-se precisamente,
O contrato é um negocio jurídico por meio do qual as
partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé,
auto-disciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a
autonomia das suas próprias vontades. (PABLO STOLZE, 2005, p.11)
1.3 Contrato
de consumo
Os contratos de consumo são, em sua
maioria, contratos de adesão, ou seja, trata-se de um contrato em que um dos
contraentes impõe ao outro o conteúdo do contrato (oferta), restando a esse
ultimo aderir (aceitação). Caracterizado por sua uniformidade, pré-elaboração
unilateral e imposição.
A definição de contrato de adesão é
complexa devido as suas peculiaridades, costumando descrevê-lo por suas
características.
Portanto,
O conceito de contrato de adesão
torna-se difícil em razão da controvérsia persistente acerca do seu traço
distinto. Há, pelo menos, seis modos de caracterizá-lo. Distinguir-se-ia,
segundo alguns, por ser oferta a uma
coletividade, segundo outros, por ser
obra exclusiva de uma das partes, por ter
regulamentação complexa, porque preponderante
a posição de uma das partes, ou não
admitir a discussão a proposta, havendo quem o explique como o instrumento próprio da prestação dos
serviços privados de utilidade publica.
[...]
O traço característico do contrato
de adesão reside verdadeiramente na possibilidade de predeterminação do
conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao
publico. (ORLANDO GOMES, 2001, p.117)
A responsabilidade
civil no CDC permeia o conceito de contrato, posto que seu nascimento decorrer,
comumente, da violação de termos previsto em contratos de adesão. Isto é, na
relação de consumo é frequente a caracterização da responsabilidade contratual.
Encontramos, destarte,
outra distinção entre a responsabilidade civil tratada no CDC e aquela tutelada
no Código Civil de 2002. A este último tercemos algumas considerações
pertinentes quanto à responsabilidade contratual e extracontratual.
A responsabilidade
extracontratual ou aquiliana decorre da prática de ato ilícito ficando o seu
agente obrigado a indenizar a vítima. Não havendo necessidade de vinculo
jurídico anterior entre o sujeito ativo e o passivo.
Enquanto na
responsabilidade contratual a sua existência perpassa pela prévia convenção das
partes, ou melhor, pela existência de um contrato bilateral ou unilateral,
neste último caso contrato de adesão comum em relação de consumo. A
responsabilidade civil contratual decorre, não obstante, da violação dos termos
previsto no contrato firmado entre o sujeito passivo e o sujeito ativo,
nascendo assim o dever de indenizar aquele que experimentou prejuízos
decorrentes da inobediência aos termos do contrato.
Porém, em ambos os
casos, para emergir o dever de indenizar, é imperioso comprovação - pela vítima
- da consubstanciação dos elementos inerentes à responsabilidade civil, quais
sejam: conduto omissiva ou comissiva do agente, nexo de causalidade e dano
efetivo.
O Código Civil de 2002,
no art. 186 e 927, tutela ao que concerne a responsabilidade extracontratual ou
aquiliana, bem como dá respaldo lega, no art. 389, à responsabilidade
contratual. Como preleciona Silvio Rodrigues (2008, p. 8): “Poder-se-ia dizer
que, enquanto o art. 186, conjugado com o art. 927, do Código Civil disciplina,
genericamente, as consequências derivadas da responsabilidade aquiliana,o art.
389 do mesmo Código cuida dos efeitos resultantes da responsabilidade
contratual.”
Outra distinção
relevante diz respeito à forma de provar a responsabilidade, como preconiza
Silvio Rodrigues (2008, p.10), in verbis:
Em matéria de prova, por exemplo,
na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi
descumprida, o ônus probandi se
transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência
de culpa da sua parte, ou a presença de força maior, ou outra excludente da
responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar, enquanto, se for
aquiliana a responsabilidade, caberá a vítima o encargo de demonstrar a culpa
do agente causador do dano.
No
Código de Defesa do Consumidor, ao contrário ocorre no Código Civil, é
garantido ao consumidor o reconhecimento da sua vulnerabilidade (art. 4º,
inciso I) e, quando evidente, sua hipossuficiência, bem como a inversão do ônus
da prova (art. 6º, inciso VIII), ou seja, o dever de provar recai sobre o
fornecedor.
Por Lucas Ribeiro de Lira Cano - OAB/AL n.º 12.817
Bibliografia
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Civil, a legislação ordinária e a Constituição).
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze & FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito
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