quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A piori,cumpre buscarmos conceituar responsabilidade civil e, não obstante, relacioná-la a relação de consumo, com escopo de buscar elucidar seu nascedouro dentro do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Sabe-se que causado dano a alguém o agente da conduta danosa tem o dever de indenizar a vítima pelos dissabores experimentados na mesma proporção, ou em valor relativo ao dano, sanando, mesmo que paliativamente, as consequências daquela conduta ilícita. Dentro dessa primeira consideração, podemos adentrar no campo conceitual da responsabilidade civil.
Segundo Savatier apud Silvio Rodrigues (2008, p. 6), a responsabilidade civil é “como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”. 
Assim, o fornecedor que, no exercício das suas funções de mercado, causa dano à massa consumerista ou aquele com quem celebrou contrato individual, tem o dever de indenizar, porquanto nasce para este primeiro a obrigação civil resultante da consubstanciação da responsabilidade civil.
1.      Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal
Ao dissertarmos sobre a distinção entre a responsabilidade civil e penal, precisamos ter em mente, antes de tudo, que o Código de Defesa do Consumidor carrega desde sua edição grande amplitude concernente ao campo de abrangência teórica e técnica. A defesa do consumidor não se limita apenas a reparação civil por qualquer dano causado pelo fornecedor. Na verdade, não obstante, o próprio CDC faz menção a tipos penais, isto é, tipifica condutas consideradas ilícitas e a estas, concomitantemente, prevê penas corporais.
O legislador ordinário, quando da elaboração do CDC, foi exímio ao sopesar a relação de consumo na esfera cível e penal. Vemos, desta feita, o caráter multifuncional jurídico do CDC. Por esta razão, é imperiosos discriminar distinções básicas acerca da responsabilidade civil e penal.
Quando falamos em responsabilidade penal nos debruçamos sobre o caráter público das normas de conduta traçadas no Código Penal. Aquele que prática o ilícito penal perturba a ordem social; deste modo, o ordenamento jurídico reagi impondo ao delinquente uma pena correspondente.
Ao contrário ocorre na responsabilidade civil, haja vista a tutela de direitos e interesses privados. O agente que causa dano a outrem fica sujeito a indenizá-lo na medida das consequências da sua conduta. Aqui não há normas de ordem pública, mas, tão somente, a relação de interesses privados que consubstancia-se pela reparação pontual e individual de um determinado dano (moral ou/e material).
Apesar da distinção perfunctória acima esposada, o Código de Defesa do Consumidor, de cunho multidisciplinar, atribuiu à relação de consumo natureza de ordem pública e interesse social, ou seja, a responsabilidade civil e penal é tratada no CDC como matéria de ordem pública. Deste modo, as normas previstas na Lei nº 8.078/90, trazem consigo a tutela de interesses individuais, coletivos e difusos a margem da ordem pública e do interesse social, sejam elas de cunho civilista ou penalista.
Com mesmo raciocínio leciona o Professor Leonardo de Medeiros Garcia (2006, p. 3), in verbis:
Ao estabelecer “normas de proteção e defesa do consumidor”, o presente Código pretende intervir nas relações de consumo para a proteção de um sujeito especial, vulnerável, desigual em sua relação com o fornecedor, de modo a manter o equilíbrio e a igualdade nas contratações.
Trata-se de um verdadeiro microssistema jurídico, em que o objetivo não é tutelar os iguais, cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas justamente tutelar os desiguais, tratando-os de maneira desigual em relação aos fornecedores com fito de alcançar a igualdade.
O próprio CDC deixa clara a natureza pública dos interesses tutelados quando preconiza no art. 1º, in verbis:
Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (grifo nosso)
Deste modo, algumas diferenças entre a responsabilidade civil oriunda da relação entre particulares prevista no Código Civil, e aquela prevista no Código de Defesa do Consumidor, são perceptíveis; porquanto ao caracterizar-se a relação de consumo os direitos inerentes a essa relação são indelegáveis e irrenunciáveis, bem como podem ser reconhecidos ex officio pelo Magistrado; enquanto na relação tutelada pelo Código Civil, tal como a extracontratutal, o Juiz só poderá pronunciar-se mediante provocação de alguma das partes.
Responsabilidade Civil Contratual
Antes de iniciarmos nossos estudos sobre a responsabilidade contratual no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990), faz-se necessário terce considerações sobre o conceito de contrato para o direito.
Como a natureza jurídica de todo contrato passa pelos pressupostos de validade do negocio jurídico (art. 104 do Código Civil de 2002), existe uma semelhança entre o conceito do gênero (negocio jurídico) e espécie (contrato).  Portanto, é o negocio jurídico por meio do qual os contraentes auto-disciplinam os efeitos jurídicos e patrimoniais do contrato, gerando, assim, um vinculo obrigacional de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
Porém o negocio jurídico passa por um processo, ou melhor, por pressupostos de existência e validade, sem os quais não há do que se falar em contrato.
Os pressupostos de existência ou os elementos constitutivos de todo negócio jurídico são: declaração ou manifestação de vontade, agente emissor de vontade, objeto e forma. Em seguida passa, o negocio jurídico, pelos pressupostos de validade: manifestação da vontade livre ou consciente e de boa fé, agente emissor capaz e legitimado para o negocio jurídico, objeto licito e determinado e forma adequada (livre ou prescrita legalmente).
Conveniente se faz, com relevância no procedimento de existência, validade e eficácia do negocio jurídico, uma conceituação de contrato; portanto, contrato como espécie de negocio jurídico, é a declaração ou manifestação de vontade livre e de boa fé, por meio do qual os agentes emissores capazes e legitimados, determinam prestações obrigacionais (objeto licito) a serem cumpridas entre os contraentes.
1.2  Constitucionalização do conceito de contrato
Iniciou no século XX, na Europa, e na década de 30, no Brasil, um processo de descentralização do Direito Civil, fazendo deslocar o eixo centralizador das normas civilistas para leis especiais e estatutos autônomos. Como conseqüência da constitucionalização do ordenamento jurídico brasileiro, reforçando todos os ramos do direito com princípios constitucionais proveniente dos direitos fundamentais do homem social.
Portanto,
A descodificação do Direito Civil foi o deslocamento do centro gravitacional do direito privado, o Código Civil, antes um corpo monolítico e monossistemantico, para estatutos autônomos. Perdendo o Código Civil influencia normativa (polissistema) caracterizado por um conjunto de normas tidas como centros gravitacionais autônomos, chamado de microssistema. (GUSTAVO TEPEDINO, p.5)

Como uma das conseqüências desse movimento foi à destituição de alguns princípios, e outros de cunho constitucional os substituíram. Trazendo mais humanização as relações jurídicas.
À vontade, perde sua conotação absoluta e é limitada por normas de ordem publica. 
A igualdade formal da lugar aos princípios de igualdade material e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal), mudando a forma de interpretação dos contratos. Com o objetivo de evitar a exploração do declarante hipossuficiente, já que a doutrina sensibilizou-se para a notável situação de desigualdade entre os agentes emissores de vontade.
Consagrou como clausula implícita nos contratos a boa fé objetiva. Limitando o principio da autonomia da vontade.
O nosso atual Código de Defesa do Consumidor sofre forte influencia dos princípios provenientes da constitucionalização do ordenamento jurídico, e por assim dizer da decodificação do Direito Civil, já que é nesse que se encontram as definições de negócio jurídico. Ou seja, princípios como função social do contrato, boa-fé objetiva e equivalência material, resultantes da redistribuição dos princípios constitucionais, ganham forca normativa no contrato consumerista.  Além dos princípios clássicos; força obrigatória, autonomia da vontade, consensualismo, relatividade subjetiva dos efeitos dos contratos e a boa-fé subjetiva (não adotada pelo CDC).
Assim, conceitua-se precisamente,
O contrato é um negocio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé, auto-disciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. (PABLO STOLZE, 2005, p.11)
1.3  Contrato de consumo
Os contratos de consumo são, em sua maioria, contratos de adesão, ou seja, trata-se de um contrato em que um dos contraentes impõe ao outro o conteúdo do contrato (oferta), restando a esse ultimo aderir (aceitação). Caracterizado por sua uniformidade, pré-elaboração unilateral e imposição.
A definição de contrato de adesão é complexa devido as suas peculiaridades, costumando descrevê-lo por suas características.
Portanto,
O conceito de contrato de adesão torna-se difícil em razão da controvérsia persistente acerca do seu traço distinto. Há, pelo menos, seis modos de caracterizá-lo. Distinguir-se-ia, segundo alguns, por ser oferta a uma coletividade, segundo outros, por ser obra exclusiva de uma das partes, por ter regulamentação complexa, porque preponderante a posição de uma das partes, ou não admitir a discussão a proposta, havendo quem o explique como o instrumento próprio da prestação dos serviços privados de utilidade publica.
[...]
O traço característico do contrato de adesão reside verdadeiramente na possibilidade de predeterminação do conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao publico. (ORLANDO GOMES, 2001, p.117)
A responsabilidade civil no CDC permeia o conceito de contrato, posto que seu nascimento decorrer, comumente, da violação de termos previsto em contratos de adesão. Isto é, na relação de consumo é frequente a caracterização da responsabilidade contratual.
Encontramos, destarte, outra distinção entre a responsabilidade civil tratada no CDC e aquela tutelada no Código Civil de 2002. A este último tercemos algumas considerações pertinentes quanto à responsabilidade contratual e extracontratual.
A responsabilidade extracontratual ou aquiliana decorre da prática de ato ilícito ficando o seu agente obrigado a indenizar a vítima. Não havendo necessidade de vinculo jurídico anterior entre o sujeito ativo e o passivo.
Enquanto na responsabilidade contratual a sua existência perpassa pela prévia convenção das partes, ou melhor, pela existência de um contrato bilateral ou unilateral, neste último caso contrato de adesão comum em relação de consumo. A responsabilidade civil contratual decorre, não obstante, da violação dos termos previsto no contrato firmado entre o sujeito passivo e o sujeito ativo, nascendo assim o dever de indenizar aquele que experimentou prejuízos decorrentes da inobediência aos termos do contrato.   
Porém, em ambos os casos, para emergir o dever de indenizar, é imperioso comprovação - pela vítima - da consubstanciação dos elementos inerentes à responsabilidade civil, quais sejam: conduto omissiva ou comissiva do agente, nexo de causalidade e dano efetivo.
O Código Civil de 2002, no art. 186 e 927, tutela ao que concerne a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, bem como dá respaldo lega, no art. 389, à responsabilidade contratual. Como preleciona Silvio Rodrigues (2008, p. 8): “Poder-se-ia dizer que, enquanto o art. 186, conjugado com o art. 927, do Código Civil disciplina, genericamente, as consequências derivadas da responsabilidade aquiliana,o art. 389 do mesmo Código cuida dos efeitos resultantes da responsabilidade contratual.”
Outra distinção relevante diz respeito à forma de provar a responsabilidade, como preconiza Silvio Rodrigues (2008, p.10), in verbis:
Em matéria de prova, por exemplo, na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o ônus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência de culpa da sua parte, ou a presença de força maior, ou outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar, enquanto, se for aquiliana a responsabilidade, caberá a vítima o encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano.
                        No Código de Defesa do Consumidor, ao contrário ocorre no Código Civil, é garantido ao consumidor o reconhecimento da sua vulnerabilidade (art. 4º, inciso I) e, quando evidente, sua hipossuficiência, bem como a inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII), ou seja, o dever de provar recai sobre o fornecedor.


Por Lucas Ribeiro de Lira Cano - OAB/AL n.º 12.817 



Bibliografia

TEPEDINO, Gustavo. A Nova Propriedade (o seu conteúdo mínimo, entre o Código Civil, a legislação ordinária e a Constituição).
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze & FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil (Contratos). São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze & FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil (Parte Geral). São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.


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