quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

DIREITO DE FAMÍLIA: DESERDAÇÃO

1.             Conceito
Deserdação é o ato unilateral pelo qual o testador exclui da sucessão herdeiro necessário, mediante disposição testamentária motivada em uma das causas previstas em lei. Para excluir da sucessão os parentes colaterais não é preciso deserdá-los: “basta que o testador disponha do seu patrimônio sem os contemplar.” (CC, art. 1.850).
Herdeiro necessário é o que tem direito à legitima correspondente à metade da herança. Ostenta tal condição “os descendente, os ascendentes e o cônjuge” (CC, art. 1.845). Como vimos, a lei restringe a liberdade de testar de quem tenha tais herdeiros, impedindo-o de dispor de mais da metade da herança (art. 1.789), pois a outra metade a eles pertence de pleno direito, “constituindo a legitima” (art. 1.846).
2.             Distinção entre deserção e indignidade

Deserdação não se confunde com indignidade (...), embora ambas tenham a mesma finalidade, qual seja, excluir da sucessão quem praticou atos condenáveis contra o de cujus.

Ambos os institutos tem o mesmo fundamento   ̶  a vontade do de cujus   ̶  , com a diferença que, para a indignidade, o fundamento é vontade presumida, enquanto a deserdação só pode fundar-se na vontade expressa  do testador.

Não obstante as semelhanças apontadas, indignação e deserdação não se confundem. Tem pontos de coincidência nos efeitos, mas diferem na sua estrutura. Distinguem-se basicamente:
a)             Pela sua causa eficiente. A indignidade decorre da lei, que prevê pena somente nos casos do art. 1.814 do Código Civil. Na deserdação, é o autor da herança quem pune o responsável, em testamento, nos casos previstos no aludido dispositivo, bem como nos constantes do art. 1.962.
b)            Pelo seu campo de atuação. O Código Civil de 2002 continua a tratar a deserdação como uma instituo da sucessão testamentária. Assim, pode-se afirmar que a indignidade é instituto da sucessão legitima, malgrado possa alcançar também o legatário, enquanto a deserdação só pode ocorrer na sucessão testamentária, pois depende de testamento, com expressa declaração de causa (art. 1.964).
c)             Pelo modo de sua efetivação. A exclusão por indignidade é postulada por terceiros interessados em ação própria e obtida mediante sentença judicial (CC, art. 1.815). A deserdação, todavia, como foi dito, se dá por testamento, com expressa declaração da causa (art. 1.964).

3.             Requisitos de eficácia da deserdação

a)             Existência de herdeiros necessários (CC, art. 1.961). A lei assegura a estes a legitima, ou reserva. A deserdação constitui, pois, exceção a essa garantia que a lei confere aos descendentes, ascendentes e cônjuge, sendo o único meio legal de afastá-los da sucessão.
b)            Testamento válido (CC, art. 1.964), não produzindo a deserdação efeito quando determinada em testamento nulo, revogado ou caduco. O testamento é o único meio legal admitido para a deserdação de herdeiro necessário.
c)             Expressa declaração de causa prevista em lei. As causas da deserdação estão enumeradas nos arts. 1.962 e 1.963 do Código Civil, cujo o rol é taxativo (numerus clausus).
Torna-se essencial que o testador mencione no testamento a causa que o leva a deserdar seu herdeiro.
d)            Propositura de ação ordinária. É necessário, ainda, que o herdeiro instituído no lugar do deserdado, ou aquele a quem aproveite a deserdação (outros herdeiros legítimos, na ordem legal, inclusive o Município, se esses não existirem), promova ação ordinária e prove, em seu curso, a veracidade da causa alegada pelo testador, como exige o art. 1.965 do Código Civil, nestes termos: “Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incube provar a veracidade da causa alegada pelo testador.”

4.             Causas de deserdação

Os herdeiros necessários sujeitam-se à deserdação em todos os casos enumerados no art. 1.814 do mesmo diploma legal, que se resumem a atentado contra a vida, a honra e a liberdade de testar do de cujus.

Além dessas causas, autorizam também a deserdação as previstas nos arts. 1.962 e 1.963 do estatuto civil. O primeiro dispositivo estabelece as causas que autorizam a deserdação dos descendentes  por seus ascendentes e o segundo, a dos ascendentes pelos descendentes, sendo comuns as duas primeiras.

Estatui, efetivamente, o art. 1.962 do Código Civil:

“Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

No tocante a ofensa física, caracteriza-se a causa de deserdação ainda que tenha acarretado somente lesões corporais de natureza leve e independente de condenação criminal, uma vez que o art. 935 do Código Civil estabelece a independência entre a responsabilidade civil e a criminal.
Aplicam-se ao caso as excludentes da ilicitude do ato, como a legitima defesa, por exemplo, exercida pelo filho para reprimir imoderação, violência e excessivo castigo físico imposto pelo ascendente.
Relativamente a injuria grave, deve ser dirigida diretamente contra o testador. O Código de 2002, todavia, como inovação, estabelece que a injúria dirigida ao cônjuge ou companheiro do testador pode servir de fundamento a deserdação (art. 1.814, II).
Não basta qualquer injuria, pois o adjetivo “grave” exige que tenha atingido seriamente a dignidade do testador e contenha o animus injuriandi.
A injuria grave constitui ofensa moral a honra, dignidade e reputação da vitima, sendo praticado por palavras ou escritos, tais como cartas, bilhetes, telegramas, bem como por meio de gestos obscenos e condutas desonrosas.
As relações ilícitas com madrasta ou com o padrasto, que figuram no art. 1.962 do Código Civil como terceira causa de deserdação, justificam o castigo imposto ao descendente (...).
Observe-se que o inciso em tele não exige que haja relações sexuais, cúpula ou adultério. A expressão “relações ilícitas” abrange, também, outros comportamentos lascivos, que envolvem namoro, libidinagem, intimidade, luxuria e concupiscência.
A quarta causa de deserdação  ̶ desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade  ̶ pode abranger a falta de assistência material, espiritual ou mora. Não se caracteriza a primeira quando o herdeiro não tem possibilidade de fornecer os recursos necessários.
Na hipótese de desamparo do ascendente em alienação mental, a deserdação será possível se o desassistido recuperar o juízo, uma vez que a deserdação somente pode ser determinada em testamento válido.
Erigido a condição de herdeiro necessário (CC, art. 1.845), também o cônjuge deveria, conseqüentemente, sujeitar-se a pena de deserdação. Todavia não previu o legislador nenhuma causa especial que permita a sua punição.
O companheiro sobrevivente, não sendo herdeiro necessário, não está sujeito a penalidade de deserdação.

5.             Efeitos da deserdação

Dispõe o art. 1.816, caput, primeira parte, do Código Civil que são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade. Por conseguinte, ela só atinge o culpado, não podendo alcançar terceiros, estranhos a falta cometida. O excluído, acrescenta a segunda parte do dispositivo, será excluído da sucessão, como se morto fosse antes de sua abertura.
Além disso, o parágrafo único do artigo retira do indigno  o direito ao usufruto, à administração e à eventual sucessão dos bens que em tal circunstancia couberem a seus sucessores.
A questão era controvertida, mas acabou prevalecendo o entendimento de que os direitos da deserdação, ante a idêntica natureza da penalidade imposta nos casois de indignidade, hão de ser também pessoais, não podendo ir além da pessoa que se portou de forma tão reprovável: nullum patris delictum innocenti filio poena est.
De fato, se os sucessores do deserdado não são expressamente excluídos da sucessão, se os efeitos colaterais decorrentes da indignidade são previstos no parágrafo único do art. 1.816, pertinentes apenas a indignidade, os sucessores do deserdado sucedem em seu lugar, tal como ocorre com o indigno.

Procurando afastar qualquer dúvida, o Projeto de Lei n. 6.960/2002 propõe o acréscimo de novo parágrafo ao art. 1.965 do Código de 2002, com a seguinte redação: “São pessoais os efeitos da deserdação: os descendentes do herdeiro deserdado sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão. Mas o deserdado não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem a sucessão eventual desses bens”. 

Por Lucas Ribeiro de Lira Cano - OAB/AL n.° 12.817

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