1.
Conceito
Deserdação é o ato unilateral pelo qual
o testador exclui da sucessão herdeiro
necessário, mediante disposição testamentária motivada em uma das causas previstas em lei. Para excluir da sucessão os parentes
colaterais não é preciso deserdá-los: “basta
que o testador disponha do seu patrimônio sem os contemplar.” (CC, art.
1.850).
Herdeiro necessário é o que tem direito
à legitima correspondente à metade da herança. Ostenta tal condição “os descendente, os ascendentes e o cônjuge” (CC,
art. 1.845). Como vimos, a lei restringe a liberdade de testar de quem tenha
tais herdeiros, impedindo-o de dispor de mais da metade da herança (art.
1.789), pois a outra metade a eles pertence de pleno direito, “constituindo a legitima” (art. 1.846).
2.
Distinção entre deserção e
indignidade
Deserdação
não se confunde com indignidade
(...), embora ambas tenham a mesma finalidade, qual seja, excluir da sucessão
quem praticou atos condenáveis contra o de
cujus.
Ambos
os institutos tem o mesmo fundamento
̶ a vontade do de cujus
̶ , com a diferença que, para a indignidade, o
fundamento é vontade presumida,
enquanto a deserdação só pode fundar-se na vontade expressa do testador.
Não
obstante as semelhanças apontadas, indignação e deserdação não se confundem.
Tem pontos de coincidência nos efeitos, mas diferem na sua estrutura.
Distinguem-se basicamente:
a)
Pela
sua causa eficiente. A indignidade decorre da lei, que prevê
pena somente nos casos do art. 1.814 do Código Civil. Na deserdação, é o autor
da herança quem pune o responsável, em testamento, nos casos previstos no
aludido dispositivo, bem como nos constantes do art. 1.962.
b)
Pelo
seu campo de atuação. O Código Civil de 2002 continua a
tratar a deserdação como uma instituo da sucessão testamentária. Assim, pode-se
afirmar que a indignidade é instituto
da sucessão legitima, malgrado possa alcançar também o legatário, enquanto a deserdação só pode ocorrer na sucessão
testamentária, pois depende de testamento, com expressa declaração de causa
(art. 1.964).
c)
Pelo
modo de sua efetivação. A exclusão por indignidade é
postulada por terceiros interessados em ação própria e obtida mediante sentença judicial (CC, art. 1.815). A
deserdação, todavia, como foi dito, se dá por testamento, com expressa
declaração da causa (art. 1.964).
3.
Requisitos de eficácia da
deserdação
a)
Existência
de herdeiros necessários (CC, art. 1.961). A lei assegura a
estes a legitima, ou reserva. A deserdação constitui, pois, exceção a essa
garantia que a lei confere aos descendentes, ascendentes e cônjuge, sendo o
único meio legal de afastá-los da sucessão.
b)
Testamento
válido (CC, art. 1.964), não produzindo a deserdação efeito
quando determinada em testamento nulo, revogado ou caduco. O testamento é o
único meio legal admitido para a deserdação de herdeiro necessário.
c)
Expressa
declaração de causa prevista em lei. As causas da deserdação
estão enumeradas nos arts. 1.962 e 1.963 do Código Civil, cujo o rol é taxativo
(numerus clausus).
Torna-se
essencial que o testador mencione no testamento a causa que o leva a deserdar
seu herdeiro.
d)
Propositura
de ação ordinária. É necessário, ainda, que o herdeiro
instituído no lugar do deserdado, ou aquele a quem aproveite a deserdação
(outros herdeiros legítimos, na ordem legal, inclusive o Município, se esses
não existirem), promova ação ordinária
e prove, em seu curso, a veracidade da causa alegada pelo testador, como exige
o art. 1.965 do Código Civil, nestes termos: “Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incube
provar a veracidade da causa alegada pelo testador.”
4.
Causas de deserdação
Os
herdeiros necessários sujeitam-se à deserdação em todos os casos enumerados no
art. 1.814 do mesmo diploma legal, que se resumem a atentado contra a vida, a
honra e a liberdade de testar do de
cujus.
Além
dessas causas, autorizam também a deserdação as previstas nos arts. 1.962 e
1.963 do estatuto civil. O primeiro dispositivo estabelece as causas que
autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes e o segundo, a dos ascendentes pelos descendentes, sendo
comuns as duas primeiras.
Estatui,
efetivamente, o art. 1.962 do Código Civil:
“Art. 1.962. Além das causas
mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus
ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a
madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em
alienação mental ou grave enfermidade”.
No tocante a ofensa
física, caracteriza-se a causa de deserdação ainda que tenha acarretado
somente lesões corporais de natureza leve e independente de condenação
criminal, uma vez que o art. 935 do Código Civil estabelece a independência
entre a responsabilidade civil e a criminal.
Aplicam-se ao caso as excludentes da ilicitude do ato, como a
legitima defesa, por exemplo, exercida pelo filho para reprimir imoderação,
violência e excessivo castigo físico imposto pelo ascendente.
Relativamente a injuria
grave, deve ser dirigida diretamente contra
o testador. O Código de 2002, todavia, como inovação, estabelece que a injúria
dirigida ao cônjuge ou companheiro do testador pode servir de fundamento a
deserdação (art. 1.814, II).
Não basta qualquer injuria, pois o adjetivo “grave” exige que
tenha atingido seriamente a dignidade do testador e contenha o animus injuriandi.
A injuria grave constitui ofensa moral a honra, dignidade e
reputação da vitima, sendo praticado por palavras ou escritos, tais como
cartas, bilhetes, telegramas, bem como por meio de gestos obscenos e condutas
desonrosas.
As relações ilícitas
com madrasta ou com o padrasto, que figuram no art. 1.962 do Código Civil
como terceira causa de deserdação, justificam o castigo imposto ao descendente
(...).
Observe-se que o inciso em tele não exige que haja relações
sexuais, cúpula ou adultério. A expressão “relações ilícitas” abrange, também,
outros comportamentos lascivos, que envolvem namoro, libidinagem, intimidade,
luxuria e concupiscência.
A quarta causa de deserdação
̶ desamparo do ascendente em
alienação mental ou grave enfermidade ̶ pode
abranger a falta de assistência material, espiritual ou mora. Não se
caracteriza a primeira quando o herdeiro não tem possibilidade de fornecer os
recursos necessários.
Na hipótese de desamparo do ascendente em alienação mental, a deserdação será
possível se o desassistido recuperar o juízo, uma vez que a deserdação somente
pode ser determinada em testamento válido.
Erigido a condição de herdeiro
necessário (CC, art. 1.845), também o cônjuge
deveria, conseqüentemente, sujeitar-se a pena de deserdação. Todavia não
previu o legislador nenhuma causa especial que permita a sua punição.
O companheiro
sobrevivente, não sendo herdeiro necessário, não está sujeito a penalidade
de deserdação.
5.
Efeitos da deserdação
Dispõe o art. 1.816, caput,
primeira parte, do Código Civil que são pessoais
os efeitos da exclusão por
indignidade. Por conseguinte, ela só atinge o culpado, não podendo alcançar
terceiros, estranhos a falta cometida. O excluído, acrescenta a segunda parte
do dispositivo, será excluído da sucessão, como se morto fosse antes de sua
abertura.
Além disso, o parágrafo único do artigo retira do indigno o direito ao usufruto, à administração e à
eventual sucessão dos bens que em tal circunstancia couberem a seus sucessores.
A questão era controvertida, mas acabou prevalecendo o
entendimento de que os direitos da deserdação,
ante a idêntica natureza da penalidade imposta nos casois de indignidade, hão
de ser também pessoais, não podendo
ir além da pessoa que se portou de forma tão reprovável: nullum patris delictum innocenti filio poena est.
De fato, se os sucessores do deserdado não são expressamente
excluídos da sucessão, se os efeitos colaterais decorrentes da indignidade são
previstos no parágrafo único do art. 1.816, pertinentes apenas a indignidade,
os sucessores do deserdado sucedem em seu lugar, tal como ocorre com o indigno.
Procurando afastar qualquer dúvida,
o Projeto de Lei n. 6.960/2002 propõe o acréscimo de novo parágrafo ao art.
1.965 do Código de 2002, com a seguinte redação: “São pessoais os efeitos da
deserdação: os descendentes do herdeiro deserdado sucedem, como se ele morto
fosse antes da abertura da sucessão. Mas o deserdado não terá direito ao usufruto
ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem a
sucessão eventual desses bens”.
Por Lucas Ribeiro de Lira Cano - OAB/AL n.° 12.817
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