terça-feira, 20 de janeiro de 2015

POR QUE SE APLICA O ART. 655-A DO CPC AO CRÉDITO TRIBUTÁRIO SE EXISTE O ART. 185-A DO CTN?

          Inicialmente é pertinente esclarecer que,quando o contribuinte encontra-se inadimplente frente ao fisco, este último abre um processo administrativo com posterior inscrição da divida ativa consubstanciada em uma certidão e servirá como titulo executivo extrajudicial para intentar com o processo de execução contra o devedor tributário. 
A indagação supramencionada vem causando grande polemica na doutrina e jurisprudência. Não sendo possível afirma que o Poder Judiciário tenha pacificado a interpretação dos novos dispositivos introduzido ao Código de Processo Civil, pela Lei nº. 11.382/06, a qual modificou o rol preferencial de bens sujeitos a execução civil. Especialmente no tocante a aplicabilidade desses dispositivos no processo de execução fiscal.
A Lei nº. 11.382/06 retificou o CPC, dando ao art.655 uma nova redação, bem como, introduziu um novo dispositivo, o art.655-A. Prescreve os artigos ora mencionados:
Art. 655 - A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
 I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
 II - veículos de via terrestre;
III - bens móveis em geral;
IV - bens imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - ações e quotas de sociedades empresárias;
VII - percentual do faturamento de empresa devedora;
VIII - pedras e metais preciosos;
IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;
X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; 
XI - outros direitos.

§ - Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse intimado da penhora.
§ - Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado.

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.
§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.
§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.
§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.
§ 4º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão-somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.

O Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172/66), dispõe no art. 185-A, que, apenas quando o devedor não apresenta garantia a execução ou esgota-se as diligencias da Fazenda Pública na busca por bens do contribuinte sujeitos a execução para satisfazer o debito tributário, determinará a autoridade judiciária a imediata indisponibilidade dos bens e direitos do contribuinte inadimplente, o mesmo entendimento é dado pela Lei de Execução Fiscal (Lei nº. 6.830/80).
Cumpre ressaltar que o artigo epigrafado foi introduzido pela Lei Complementar nº. 118/05.
Paradoxalmente ao Código Tributário Nacional e a Lei de Execução Fiscal, motivo da grande discussão em comento, preleciona o art. 655-A, realizando uma interpretação sistemática, que não é necessário o devedor contribuinte apresentar garantia, tampouco, findar as tentativas da Fazenda Pública na busca por bens do devedor sujeitos a penhora, procedendo, desde já, com a penhora on-line da divida ativa devidamente inscrita.
Esse é a interpretação dada pela jurisprudência quanto ao processo de execução fiscal, baseada na contraposição da LEF e do CTN ao CPC, com fulcro no art. 655-A do CPC.  
Preleciona a Lei de Execução Fiscal (Lei nº. 6.830/80), nos arts. 9º, 10 e  11, in verbis:
Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
        I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
        II - oferecer fiança bancária;
        III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
        IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
        § 1º - O executado só poderá indicar e o terceiro oferecer bem imóvel à penhora com o consentimento expresso do respectivo cônjuge.
        § 2º - Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros.
        § 3º - A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária, produz os mesmos efeitos da penhora.
        § 4º - Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
        § 5º - A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
        § 6º - O executado poderá pagar parcela da dívida, que julgar incontroversa, e garantir a execução do saldo devedor.
        Art. 10 - Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.
        Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
        I - dinheiro;
        II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
        III - pedras e metais preciosos;
        IV - imóveis;
        V - navios e aeronaves;
        VI - veículos;
        VII - móveis ou semoventes; e
        VIII - direitos e ações.
        § 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.
        § 2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º.
        § 3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exeqüente, sempre que esta o requerer, em qualquer fase do processo.
(...)
Concomitantemente prescreve o art.185-A do CTN:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.
§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.
§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.
(...)
A piori, o procedimento de Execução Fiscal regido pela LEF, admitia a determinação da indisponibilidade dos recursos financeiros com o preenchimento de dois requisitos: (i) a não apresentação de garantias pelo contribuinte devedor e, cumulativamente (ii) o esgotamento das diligencias da Fazenda Pública na procura por bens penhoráveis suficientes para garantia do suposto débito tributário, em respeito ao descrito no art.185-A do CTN.
Entretanto, a partir da vigência da Lei nº. 11.382/06, as autoridades fiscais passaram a alegar que os requisitos para a penhora dos recursos financeiros do contribuinte previstos no art.185-A do CTN teriam sido dispensados, porquanto a nova redação dada ao art. 655 e a introdução do art.655-A do CPC, equiparou os depósitos bancários e aplicações financeiras ao dinheiro na ordem dos bens a serem preferencialmente penhorados, inclusive pelo Bacen Judi.
Essa aplicação subsidiária do CPC ao processo de Execução Fiscal é autorizada diante da prerrogativa consagrada no art. 1º da Lei nº. 6.830/80 (LEF), que assim dispõe, in verbis:
Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. (grifo nosso)
Portanto, no entendimento jurisprudencial, a penhora de recursos financeiros na execução fiscal, como primeiro ato de cobrança, é admitida, malgrado na nova redação dada ao CPC pela Lei nº. 11.382/06.
Resta claro que a interpretação sistemática dada ao processo de Execução Fiscal, ensejou em maior eficácia das cobranças do fisco margem a inadimplência do contribuinte, ou seja, a situação benevolente do devedor tributário não mais se configura e este se encontra fadado a ter seus recursos financeiros penhorados eletronicamente (on-line). Para tanto, deve ser analisado os arts. 655 e 655-A do CPC, art. 185-A do CTN e, por fim, o art. 11 da LEF.
Os doutrinadores que não apóiam a posição do fisco quanto a interpretação sistemática dada ao processo de Execução Fiscal, afirma, com veemência, a impossibilidade a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor contribuinte como primeiro ato de cobrança da autoridade judicial.
Preliminarmente afirma essa corrente doutrinária que as alterações provenientes da Lei nº. 11.382/06, dada ao Código de Processo Civil, servem unicamente para facilitar a liquidação de débitos privados, que presumivelmente decorrem da vontade consciente de partes envolvidas. Não sendo conveniente e, por assim dizer, errôneo interpretar sistematicamente a Execução de dividas tributária com fulcro nas alterações do CPC, porquanto quando falamos em débitos tributários remetemo-nos a idéia de direito público que já possui norma especifica para a consecução de suas finalidades, qual seja a Lei de Execução Fiscal (Lei nº. 6.830/80).
Ademais, a referida lei trata em seu bojo, e com grandes privilégios concedidos ao fisco, de todo o processo de execução de créditos tributários. Dando-lhe a possibilidade de requerer a indisponibilidade dos bens e direitos do contribuinte, ajuizamento de medida cautelar fiscal, formação unilateral do titulo extrajudicial, entre outras.
Aduz essa doutrina que na própria exposição de motivos da Lei nº. 11.382/06 deixa claro que as inovações dadas ao CPC não se aplicarão as execuções fiscais, ao admitir que a execução fiscal será objeto de projeto em separado.
Por fim, alegam que, existindo lei especifica no trato da Execução Fiscal, respaldada no rol de bens previstos nos arts. 9º e 10 da LEF, não poderia jamais a mudança no CPC revogar a ordem de bens sujeitos a penhora, haja vista o principio de que lei geral – Código de Processo Civil - não pode revogar lei especifica – Lei de Execução Fiscal.
Diversimode, posiciona-se a corrente majoritária da doutrina como vem demonstrando jurisprudencialmente.
Para a doutrina majoritária a alteração introduzida pela Lei nº. 11.382/06 ao CPC tornou a execução civil mais eficiente e rigorosa que a execução fiscal, e inclinando-se sobre o principio da supremacia do interesse público tal condição é inadmissível.  Portanto, diante desse disparate, deu-se a questão uma interpretação sistemática com a finalidade de corrigir a distorção da ordem jurídica.
Ressaltam, com coerência doutrinaria, que a Lei Complementar nº. 118/05 que introduziu o art. 185-A ao CTN, teve sua revogação levada a efeito pela Lei Ordinária Processual nº. 11.382/06, isto é, “lex posterior derogat priori”.
A posição da corrente majoritária pode ser evidenciada nos entendimentos proferidos pelos Tribunais e pelo próprio STJ.
Ex positis, vejamos o entendimento jurisprudencial concedido a essa polemica questão:
A jurisprudência do STJ, após vacilações, firmou-se no sentido de entender flexibilizada a lista de nomeação de bens a penhora, como consta da LEF, artigo 11, de forma a ser possível também atender ao princípio inscrito no artigo 620 do CPC, fazendo-se a execução da forma menos gravosa para o executado.” (REsp 789.955/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 30/08/2006)
Em decisão a 2ª Turma do STJ entendeu que,
“a interpretação das alterações efetuadas no CPC não pode resultar no absurdo lógico de colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)”, concluindo que: “em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, na busca de uma maior eficácia material do provimento jurisdicional, deve-se conjugar o artigo 185-A, do CTN, com o artigo 11 da Lei 6.830/80 e artigos 655 e 655-A, do CPC, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, independentemente do esgotamento de diligências para encontrar outros bens penhoráveis (REsp 1074228/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07/10/2008, DJe 05/11/2008).
Da mesma maneira se posicionou a 1ª Turma do STJ ao afirmar que,
 “a despeito de não terem sido esgotados todos os meios para que a Fazenda obtivesse informações sobre bens penhoráveis, faz-se impositiva a obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei 6.830/1980, que indica o dinheiro como o primeiro bem a ser objeto de penhora”. (REsp 998.327/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 26/02/2008, DJe 30/06/2008).

Neste cenário fica evidente as razoes que levaram a jurisprudência aplicar o art. 655-A do CPC ao invés do art. 185-A do CTN. Primeiro, porque é inadmissível que a execução civil seja mais rigorosa que a execução fiscal, margem os motivos supramencionados. Segundo, resta claro que a Lei nº. 11.382/06 revogou o disposto no art. 185-A, dado por lei complementar, ou seja, lei posterior revoga lei anterior. E, por fim, a execução fiscal, interpretada sistematicamente em função do art. 655-A do CPC, ganha mais força e rigor, exigindo do contribuinte devedor o cumprimento espontâneo de sua obrigação diante o fisco, bem como, garante a este último a prerrogativa de satisfazer com mais eficácia o crédito tributário. Claro que, com esse entendimento, o devedor do tributo fica em posição vulnerável e hipossuficiente diante do devastador poder fiscal exercido pela Fazenda Pública.

Por Lucas Ribeiro de Lira Cano - OAB/AL n.º 12.817 



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